10/09/201208h00
> Atualizada 10/09/201217h16
A
organização não governamental Repórter Brasil, coordenada pelo jornalista e
blogueiro do UOL Leonardo Sakamoto, divulgou nesta segunda-feira
(10) reportagem multimídia na qual mostra que os três
principais frigoríficos do país --Brasil Foods, JBS e Marfrig-- submetem seus
trabalhadores a condições degradantes.
Intitulada
“Moendo Gente”, a reportagem traz textos,
vídeos e dados relacionados ao cotidiano de trabalho dos funcionários dos três
frigoríficos, que fornecem carne para as principais redes de fast-food,
supermercados e indústrias alimentícias espalhadas por 150 países.
Reprodução mostra página da reportagem especial
Os três
frigoríficos estão entre os 20 principais grupos exportadores do Brasil, que
atualmente é o maior exportador mundial de frango e carne bovina. Em 2011, o
setor exportou US$ 15,64 bilhões. Nos últimos dez anos, a quantidade de animais
abatidos dobrou. Atualmente, há 209 milhões de cabeças de gado e mais de 1
bilhão de frangos no país.
Afastamentos
Em uma
das unidades frigoríficas da Brasil Foods visitada, em Rio Verde (GO), foram
registrados cerca de 90 mil pedidos de afastamento entre janeiro de 2009 e
setembro de 2011, segundo levantamento do Ministério Público do Trabalho (MPT).
É como se
a cada 10 meses todos os 8.000 empregados do frigorífico tivessem que se
ausentar por ao menos uma vez devido a problemas de saúde relacionados ao
trabalho. Os afastamentos por distúrbios osteomusculares (os chamados DORT)
foram os mais recorrentes: a média é de 28 atestados por dia e de 842 por mês.
Já na
unidade de Barretos (SP) da JBS, 14% dos 1.850 funcionários estão
permanentemente afastados do trabalho devido a acidentes e doenças ocupacionais
--e sobrevivem do benefício pago pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro
Social).
Só no
primeiro semestre de 2011, registraram-se na unidade 496 pedidos de afastamentos
temporários (aqueles com menos de 15 dias) por conta de distúrbios psíquicos e
problemas esquelético-musculares.
A
reportagem da ONG cita ainda o caso da Seara (empresa do grupo Marfrig), que em
2011 foi condenada a pagar uma indenização de R$ 14,6 milhões por danos morais
coletivos causados aos trabalhadores na unidade de Forquilhinha (SC).
A Justiça
determinou também que a Seara conceda pausas para “recuperação térmica” de 20
minutos a cada 1 hora e 40 minutos de trabalho, cumprindo o que determina a lei.
A mesma sentença obriga ainda o frigorífico a liberar a ida dos trabalhadores
ao banheiro, sem que seja necessária autorização prévia de um superior.
Movimentos repetitivos
Segundo a
reportagem, um dos principais problemas do trabalho em frigoríficos é a elevada
carga de movimentos repetitivos em um curto espaço de tempo. Trabalhadores das
indústrias de aves, por exemplo, desossam, no mínimo, quatro coxas de frango
por minuto.
Nessa
função, há funcionários que realizam até 120 movimentos diferentes por minuto,
sendo que estudos ergonômicos apontam que o limite de ações por minuto deve se
situar na faixa de 25 a 33 movimentos, de forma a evitar o aparecimento de
doenças osteomusculares.
O texto
aponta ainda que fiscalizações feitas pelo Ministério do Trabalho e Emprego e
pelo Ministério Público do Trabalho vêm constatando prolongamento irregular da
jornada de trabalho, com expedientes que não raro superam 15 horas diárias.
Doenças e acidentes
Dados
oficiais do Ministério da Previdência Social mostram que os problemas de saúde
gerados especificamente pelo abate e processamento de carne são muito mais
recorrentes do que os danos provocados por todos os demais segmentos.
No abate
de bovinos, ocorrem duas vezes mais traumatismos de cabeças e três vezes mais
traumatismos de abdômen, ombro e braço, e seis vezes mais queimaduras. No abate
de aves, a chance de um trabalhador desenvolver um transtorno de humor, como
uma depressão, é 3,41 vezes maior. Já no abate de aves e suínos, o risco de
sofrer uma lesão no punho ou nos plexos nervosos do braço é 743% maior.
A
legislação trabalhista do Brasil prevê uma série de medidas visando a proteção
da saúde dos empregados do setor de frigoríficos. Há normas para mitigar os
problemas gerados pelos movimentos repetitivos. Segundo a reportagem, as
empresas nem sempre cumprem essas determinações, e, por essa razão, vêm sendo
acionadas judicialmente pelo Ministério Público do Trabalho.
Baixas indenizações
Outro
problema recorrente que a reportagem traz é o pagamento de baixas indenizações
aos trabalhadores que se acidentam ou desenvolvem doenças ocupacionais. Para
especialistas entrevistados, as condenações impostas pelo Poder Judiciário aos
frigoríficos resultam em indenizações de valor muito baixo que, em vez de
inibir, acabam permitindo que novos acidentes ocorram.
Em Goiás,
por exemplo, um trabalhador de uma planta industrial da Marfrig teve de ser
submetido a uma cirurgia depois que um corte profundo em seu braço esquerdo
atingiu nervos e tendões, prejudicando a mobilidade de sua mão.
Por não
fornecer os devidos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), o frigorífico
foi condenado a arcar com os custos da cirurgia e a pagar uma indenização de R$
5.000 por danos morais. Para efeito de comparação, também em Goiás uma cliente
processou um banco que levou seu nome à Serasa Experian e foi contemplada com
uma indenização de R$ 10 mil.
Outro lado
A ONG
Repórter Brasil pediu para os três frigoríficos se pronunciarem a respeito de
cada caso denunciado na reportagem. Apenas a Marfrig comentou cada um. JBS e
Brasil Foods enviaram resposta única para os problemas apresentados.
Em seu
pronunciamento, a Brasil Foods afirma que “o respeito às pessoas e à legislação
vigente é e sempre foi uma prioridade da companhia” e que “sempre procurou agir
preventivamente”. Segundo a empresa, “alguns dos casos mencionados pela
Repórter Brasil em seu relatório referem-se a decisões em primeira instância,
das quais a BRF discorda totalmente e inclusive está recorrendo das mesmas. Nos
casos em que, de fato, ficou caracterizada alguma não conformidade, a BRF
prontamente firmou acordos com o Ministério Público do Trabalho”.
Já a JBS
defendeu que “existem na Justiça do Trabalho decisões favoráveis à
empresa nesta questão, bem como decisões contrárias”. A nota sustenta ainda que
“existe um grupo liderado pelo Ministério do Trabalho que atualmente prepara a
redação de uma norma específica para a atividade em área refrigerada. A JBS,
através de um membro das associações que representam o segmento,
participa deste grupo e a expectativa é de que tal norma seja editada até o fim
de 2012”.
A
Marfrig, por sua vez, assegura que sua atuação é “firme e consistente no
cumprimento das leis e regulamentos vigentes no país”. Além disso, afirma que
“não tolera atos de exploração de mão-de-obra, abuso de poder ou qualquer tipo
de perversidade que atinja a dignidade dos funcionários”. Segundo o comunicado,
a empresa realiza periodicamente campanhas para prevenção de acidentes no
trabalho. “A preservação da saúde e integridade física e mental dos empregados
é prioridade na política de recursos humanos.”
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