Na surdina, Congresso pode dar um golpe nos trabalhadores
26 de Fevereiro de 2013, por Bertoni - Sem comentários
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Atenção redobrada. Há parlamentares
que, na surdina, estão se articulando para que um dos vetos presidenciais, em
especial, seja derrubado: o que trata da chamada Emenda 3
Leonardo Sakamoto*
Para atender à determinação do Supremo
Tribunal Federal, de que o veto de Dilma Rousseff à alteração das regras de
distribuição de royalties do petróleo só possa ser analisado após a análise de
outros 3 mil vetos, o Congresso está desenterrando alguns esqueletos. Alguns
com cara bem feia.
Há parlamentares que, na surdina, estão
se articulando para que um dos vetos presidenciais, em especial, seja
derrubado: o que trata da chamada Emenda 3.
A emenda, que integrou o projeto que
criou a Super Receita, propõe que auditores fiscais federais não possam apontar
vínculos empregatícios entre empregados e patrões, mesmo quando forem
encontradas irregularidades. Apenas a Justiça do Trabalho, de acordo com o
texto, é que estaria autorizada a resolver esses casos. Na prática, a nova
legislação tiraria o poder da fiscalização do governo, o que dificultaria o
combate ao tráfico de pessoas, ao trabalho escravo, ao trabalho infantil e a
terceirizações ilegais que burlam direitos do trabalhador.
Originalmente, a emenda foi proposta
atendendo à solicitação de empresas de comunicação e de entretenimento que
contratam funcionários por meio de pessoas jurídicas, conhecidas como “empresas
de uma pessoa só”. O problema é o efeito colateral que isso pode criar para o
restante da sociedade.
O Congresso Nacional aprovou a emenda,
mas o então presidente Lula a vetou em março de 2007. Na época, trabalhadores
foram às ruas para apoiar o veto – milhares de metalúrgicos fizeram passeatas
na região do ABC, metroviários cruzaram os braços e bancários protestaram na
capital paulista. Com as manifestações, a medida foi posta em compasso de
espera, uma vez que assustaram deputados e senadores favoráveis à medida.
Agora, como parte da discussão sobre o pacote de vetos, reapareceram
articulações, contando com a breve memória do brasileiro e com a dificuldade de
analisar atentamente uma única matéria quando são milhares os vetos discutidos
ao mesmo tempo.
Em um país onde milhões de pessoas são
tratadas como ferramentas descartáveis, a fiscalização do trabalho desempenha
um papel fundamental. Ela não é perfeita, mas sem esse aparato de vigilância,
as relações de trabalho seriam bem piores do que realmente são. A
desregulamentação não levaria necessariamente à auto-regulação pela sociedade,
como profetizam alguns economistas, mas sim ao caos. Se, com regras minimamente
vigiadas, você – trabalhador – já é maltratado, imagine sem.
De acordo com procuradores e juízes do
Trabalho ouvidos por este blog, no campo, por exemplo, a aprovação dessa
proposta ajuda muito fazendeiro picareta que monta uma empresa de fachada para
o seu contratador de mão de obra empregar safristas. Dessa forma, ele se livra
dos direitos trabalhistas, que também nunca serão pagos pelo “gato”, o
contratador – boa parte das vezes tão pobre quanto os peões. E consegue
concorrer aqui dentro e lá fora sem reduzir sua margem de lucro. Que em nosso
país é mais sagrado que todos os santos e orixás.
Nas cidades, isso facilitaria e muito a
manutenção de oficinas de costura que contratam trabalhadores de forma precária
ou os submetem a condições análogas às de escravo, muitos dos quais imigrantes
latino-americanos pobres que vêm produzir para os cidadãos brasileiros.
Oficinas que, não raro, surgem apenas para que a responsabilidade dos custos
trabalhistas saiam das costas de oficinas maiores e de grandes magazines. Você
não vê o escravo em sua roupa, mas ele está lá.
Além de beneficiar os empregadores que
querem terceirizar seus empregados (ou legalizar os já terceirizados), a emenda
3 pode funcionar como ponta de lança para outras mudanças. Abre a porteira para
regularizar de vez a situação das pessoas que ganham pouco, batam cartão e
respondam a um chefe, mas que são obrigados a criar uma empresa para ganhar o
salário e ficar sem os direitos trabalhistas. Se o bolo de dinheiro fosse
distribuído de forma justa entre patrões, chefes e empregados em uma empresa, a
defesa do veto da emenda 3 não seria tão necessária. Mas não é o que acontece.
Colocar a emenda 3 em vigor também pode
aumentar ainda mais o rombo da previdência, pois ela tende a levar a uma
diminuição no carregamento do INSS. Idem para o FGTS, cujo caixa financia a
casa própria e banca o Programa de Aceleração do Crescimento. Isso abre a
porteira a outros projetos draconianos destinados a resolver os problemas que
seriam causados pela emenda 3, como reduzir os reajustes das aposentadorias a
fim de economizar.
Projetos como a emenda 3 fazem parte de
uma mesma política para diminuir o poder que o Estado tem de garantir que o
empresariado tenha um patamar mínimo de bom senso. Com o aumento da competição,
cresce também a precarização do trabalho e com ela o discurso da necessidade de
desregulamentação, ou seja: pá de cal nos direitos adquiridos e vamos embora
que o mundo é uma selva.
Durante as manifestações de apoio ao
veto à emenda 3 em 2007, uma retórica se tornou constante em círculos
empresariais e entre alguns colegas da área de economia: de que era um absurdo
trabalhadores fazerem greve que não fosse por emprego e salário, mas por
política trabalhista. Em outras palavras, protestar por água e pasto, é
horrível, mas vá lá. Já a luta para que o aumento da capacidade de
competitividade das empresas não seja feito engolindo os trabalhadores é uma
atitude deplorável. “Esse país não quer crescer”, diziam eles.
Nesse ritmo, não me espantaria – num
futuro não muito distante – ver anúncios estampados em página dupla nas
revistas semanais de circulação nacional dizendo: “O Banco X pensa em seus
empregados. Ele paga 13º salário. Isso sim é responsabilidade social”. E nossos
filhos olharão para aquilo e, espantados, perguntarão: “pai, mãe, o que é
emprego?”
(*) Jornalista e
doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos
direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Professor de Jornalismo
na PUC-SP, é coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão
Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.
Fonte: JMC
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