Por Luciana Cury Calia e Luiz Salvador
Os trabalhadores têm sido acometidos de diversos tipos de doenças no ambiente de trabalho, incapacitando-os para as atividades laborais e sobrecarregando a previdência com os ônus por tais ocorrências que vai desde os tratamentos médicos especializados e até mesmo a aposentadoria por invalidez.
As conhecidas LER/Dort são responsáveis por mais de 65% dos casos reconhecidos pela Previdência Social. São transtornos que acometem a coluna cervical, vasos, ossos, nervos, tendões e articulações, principalmente os membros superiores.
Decorrente das péssimas condições do ambiente de trabalho, o processo inflamatório pode ser desencadeado por traumatismos, produzidos por diversos agentes físicos, químicos, biológicos, ergonômicos, elétricos e mecânicos. Os microtraumas podem ter como fatores desencadeantes os movimentos repetitivos, estresse e assédio moral.
Outra moderna dessas doenças profissionais, já bastante conhecida dos especialistas e que provoca o esgotamento profissional denomina-se Síndrome de Burnout, doença esta que já vem sendo pesquisada desde os anos 70 nos Estados Unidos.
O seu quadro clínico é caracterizado por fadiga, ansiedade e depressão, que acomete trabalhadores, levando-os à incapacitação total. E por ser irreversível, tornando-se inapto o trabalhador para a continuidade do exercício de sua atividade laboral, acaba sendo a aposentadoria o único caminho, suportado pela previdência social.
Tudo isso é decorrente da falta de o empregador assegurar ao trabalhador um ambiente de trabalho sadio, propiciando-lhe que quando for demitido esteja em plenas condições de retornar ao mercado de trabalho, posto que sabido que conta apenas com sua força de trabalho para retirar o sustento à sua subsistência e da família.
O legislador constituinte, a par dos direitos fundamentais e sociais, assegurados nos arts. 5º e 7º, elegeu o meio ambiente (art. 225) à categoria de bem de uso comum do povo, impondo ao empregador a obrigação de assegurar ao trabalhador um ambiente de trabalho sadio, assegurando-lhe, ao ser demitido, o direito a encontrar-se nas mesmas condições de saúde física e mental em que se encontrava quando da admissão, plenamente apto à absorção pelo mercado de trabalho, hoje tão seletivo, já que só conta com sua força de trabalho para obter o salário, a remuneração necessária à sua subsistência.
Não obstante, o meio-ambiente de trabalho tem sido hostil para o trabalhador, onde presente os trabalhos em turnos, o estilo gerencial assediador, causando estresse. Além dos riscos especificados nas Normas Regulamentadoras, - CIPA.
Há empresas que tem essa comissão somente de "fachada", Essas normas não são cumpridas pelos patrões, levando muitas vezes os trabalhadores a morbidade. Há que se trabalhar preventivamente.
Para a execução de quaisquer atividades laborais os empregadores devem observar com rigor o fiel cumprimento das normas legais de vigilância, saúde e segurança, observando-se com rigor as exigências legais previstas na NR 17, como também a de n NR 9, que exigem que o empregador elabore mapas de riscos ambientais, a cargo das CIPAS, após a ouvida dos trabalhadores sobre as condições de trabalho insalubres.
O Estado tem, pois, o dever de fiscalizar os locais de trabalho, para evitar as violências que continuam sendo praticadas no meio-ambiente de trabalho causadores do estresse lesionador, com base na própria regulamentação já existentes:
a)- NR 17 que versa sobre ergonomia, visando estabelecer a adaptação das condições de trabalhado às características piscofisiológicas dos trabalhadores, como gênero, altura, peso e idade, tudo, intrinsecamente relacionado ao tipo de trabalho, proporcionando bem-estar e equilíbrio à saúde do trabalhador.
b)- NR7 - Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional - PCMSO. Por esse programa há realização de exames médicos periódicos, admissionais e demissionais, identificãode fatores de riscos ambientais que possam causar acidentes ou epidemias, sendo que a omissão do profissional responsável pode ser denunciada pelo trabalhador ao Conselho Regional de Medicina - CRM;
c)- NR 9 que versa sobre Programa de Prevenção de Riscos Ambientais - PPRA, principalmente em empresas que possuam alto grau de risco, como energia elétrica e produtos químicos.
d)- A NR 5, que introduz a obrigatoriedade da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes - CIPA.
Há empresas, todavia, que tem essa comissão CIPA somente de "fachada", sendo que as normas legais protetivas vigentes não são cumpridas, levando muitas vezes os trabalhadores a morbidade, sendo que essas normas legais no geral não são obedecidas por falta de fiscalização, buscando muitos empresários através da "reengenharia" apenas perseguindo a eficiência, a alta produtividade, a lucratividade, sem observância ao necessário respeito à dignidade da pessoa humana, tratando o trabalhador como se mera mercadoria fosse.
A CF não privilegia o "Deus Mercado", o descompromisso com o social, com a vida humana, devendo o empregador respeitar os direitos do trabalhador, que, com sua força de trabalho, aliada à inteligência do administrador competente, alavanca o crescimento responsável e solidário da empresa.
O Constituinte de 1988, ao escrever a nossa Lex Legum, teve em vista o homem o desenvolvimento da pessoa humana na sua integralidade, daí a proteção total ao direito de cidadania, que não pode ser desvinculado da proteção de todos os bens inerentes à vida, assegurando aos seus cidadãos o direito ao trabalho, ao salário, à cidadania e à própria dignidade humana, dando, inclusive, prevalência ao social em detrimento do mero interesse particular do lucro (CF, art. 5º, XXIII, art. 170, III), dentre inúmeros outros. Cabe destacar o direito à segurança, à saúde, à habitação, a um ambiente ecologicamente equilibrado, enfim a uma qualidade de vida superior.
Assim, se o empregador não cumprir com suas responsabilidades sociais, decorrentes do contrato de trabalho, deverá responder por seu ato, mesmo omissivo, pelos danos ocasionados ao empregado; quer o decorrente de lesão à honra, dano moral (art. 5º, inciso X da CF); quer o decorrente de dolo ou culpa do empregador no infortúnio acidentário, como se extrai do exame do art. 7º, inciso XXVIII (seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa).
Em caso de acidente, quer dentro das dependências da empresa, durante o expediente - quer mesmo os ocorridos durante o trajeto (percurso de vinda para o trabalho e ou de volta) - a empresa deve sempre comunicar previdência, emitindo a CAT (Comunicação de Acidente do Trabalho), havendo ou não afastamento do trabalho até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência, sob pena de multa em caso de omissão.
É consabido que o trabalhador vitimado em muitas empresas tem encontrado resistências e dificuldades para que essa comunicação oficial seja feita ao INSS e para que possa receber o benefício do auxílio-acidentário, tendo-se em vista que muitas empresas assim o fazem, para fugir dos ônus impostos pela garantia prevista no art. 118 da Lei 8.213/91 que assegura ao trabalhador acidentado o direito à estabilidade acidentária nos 12 meses subseqüentes à cessação do auxílio-doença acidentário. Muito mais econômico não emitir a CAT, valer-se de sua situação privilegiada de dono do capital, para criar embaraços para que os próprios médicos da empresa e ou mesmo os ligados a convênios médicos insistam na emissão da CAT, prejudicando o trabalhador.
Constata-se na realidade do mercado de trabalho que muitos empregados são desrespeitados em seus direitos e mesmo lesionados em serviço são demitidos após anos de trabalho, adoecidos e sem condições de uma reintegração ao mercado de trabalho, por encontrarem-se doentes e lesionados, ficando a sua auto-estima diminuída, por sentirem-se abandonados, desprotegidos, desamparados.
A Folha de SP, edição de 07/10/2001, publica matéria examinando o quadro de milhares de trabalhadores com doença profissional, despejados no mercado de trabalho, impossibilitados de conseguir nova colocação: Cerca de 310 mil trabalhadores de SP sofrem de LER/DORT, doenças ocupacionais grandes responsáveis pelo afastamento do trabalho, mostra pesquisa feita pelo Datafolha.
Segundo especialistas, subnotificações de males relacionados ao trabalho impede que estatísticas reflitam a realidade. Os dados oficiais ocultam incidência da doença.
A notificação do INSS é de 19 mil trabalhadores portadores da doença, um número muito aquém da realidade detectada pela pesquisa. Segundo informações de Maria José O'Neill, presidente do Instituto Nacional de Prevenção às LER/DORT, que encomendou as pesquisas, declarou à Folha de São de Paulo: "diz que basta um exame clínico para diagnosticar com precisão essas doenças".
Tudo isso acaba sendo uma ameaça aos trabalhadores, uma afronta à própria dignidade humana, pois a necessidade de manter-se sadio e em plenas condições para o trabalho é condição essencial para o fortalecimento de sua identidade pessoal, familiar e dos grupos que pertence.
Em um ambiente de trabalho assim os trabalhadores lesionados tem adoecido e envelhecido e as organizações empresariais não se adaptam a essa realidade social. Demitem, não sem antes os desrespeitarem, os submeterem à condições indignas, chegando muitas vezes à prática desumana do assédio moral, que tem vitimado milhares de trabalhadores no ambiente de trabalho em todo mundo, como denuncia Luiz Salvador em seu artigo MEDO E ANGÚSTIA - Assédio moral pode levar vítima à incapacidade total in Conjur.
Dessa forma, muitos trabalhadores são jogados no mercado de trabalho lesionados, mesmo não estando em condições e não mais conseguem trabalhar e por isso não chegam até a aposentadoria. Para eles a reforma da previdência social somente no que tange à aposentadoria não fará a menor diferença.
Por isso, a reforma previdenciária precisa ser ampla e participativa. É necessário rever todo o sistema previdenciário. Obrigar o cumprimento das Normas Regulamentadoras, que inclusive precisam passar por uma extensa revisão, com participação direta dos próprios interessados - os trabalhares!
Luciana Cury Calia é bacharel em Direito e Relações Públicas, pesquisadora do nexo de causalidade de acidentes do trabalho e doenças profissionais.
Luiz Salvador é advogado trabalhista e presidente da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (Abrat).
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